Conversa com a psicanalista Ana Olmos, terapeuta de crianças e orientadora familiar
As crianças que apresentam problemas de relacionamento e de conduta na escola provavelmente levaram para a interação com os colegas dificuldades que nasceram na convivência familiar. O desenvolvimento da sociabilidade está intimamente relacionado ao modelo de relação que a criança percebe em casa: como vê os pais mediando os conflitos entre eles, com ela e com o mundo externo.
O aparato psíquico segue fases de desenvolvimento dinâmico, construindo o aprendizado afetivo e cognitivo a partir dos conhecimentos anteriores. Por isso, apesar de a criança nem perceber a existência do outro e a possibilidade de interagir com ele até por volta dos dois anos de idade, tudo o que ela vivencia desde o nascimento terá impacto na sociabilidade.
Durante a infância, é importante que os adultos estejam sempre presentes fazendo a mediação dos conflitos para a criança. Os problemas de conduta que começam a aparecer na escola podem revelar dificuldades no processo de socialização ou situações que a criança está enfrentando em outro ambiente. A família é o primeiro espaço formador, mas, se a escola for omissa na mediação, a situação tende a se agravar.
Quando as crianças têm dois anos de idade, elas mordem umas às outras. É preciso ter sempre um adulto por perto para ensinar que não pode morder. A criança precisa ser protegida dos seus próprios desejos destrutivos, pois quando a conduta se repete sem a mediação do adulto, a chance de ser internalizada é maior. Talvez a criança que morde muito os colegas precise brincar sozinha até ter ideia da consequência e compreender que será afastada do grupo para não morder.
Segundo a psicanalista Ana Olmos, terapeuta de crianças e orientadora familiar, crianças com os “egos inflados acham que podem tudo”, e quando há inércia da escola na mediação de conflitos, quando elas percebem que não há consequência para quem pratica a violência contra os colegas, elas acham que as normas existem para serem burladas. “Tudo começa em casa. Quando tudo gira em torno do desejo da criança, quando o desejo dela é uma ordem e ela leva isso para a escola, a criança não socializa com ninguém”, afirmou.
Para a psicanalista, é função dos pais conduzir a criança do princípio do desejo para o princípio da realidade. Quando não fazem isso, estão colocando o filho em uma situação de risco. “Se a criança não aprende com a experiência, ela repete a conduta.”
A psicanalista lembra que a criança responde de acordo com a estrutura familiar. A sociabilidade segue os modelos e possibilidades oferecidos pelos pais, com as crenças, os valores e as práticas deles. Primeiro, por imitação, depois, por assimilação.
Se a criança vive capturada no princípio do prazer, não entra em fila, não aprende a esperar a comida, não joga o papel no lixo, é retirada de todos os apuros, não é treinada pelos desafios do dia a dia, de acordo com a idade, ela não desenvolve os recursos necessários para uma socialização saudável. “A criança largada ao próprio desejo tem sensação de abandono. Quando o adulto coloca o princípio da realidade, para a criança, é um alívio.”
Bate-boca
Eu contei uma situação que enfrentei um dia desses e a psicanalista disse que o exemplo era perfeito: crianças brincavam de molhar as cadeiras em volta da piscina e eu me aproximei de duas menininhas, de quatro ou cinco anos, e perguntei se podia pegar a cadeira. Elas concordaram, mas assim que comecei a puxar a mãe reagiu: “Elas estão brincando!”, disse, enfática. Eu retruquei: “Mas cadeira não é para brincar é para sentar.” A mãe insistiu: “Mas aquelas crianças também estão fazendo”. Eu também insisti: “Também estão erradas, onde estão os pais que não estão vendo?” A mãe me ofereceu outra cadeira que estava ao lado dela para não interromper a brincadeira das crianças. Eu aceitei, mas disse: “Está bem, eu pego esta, azar o seu que perdeu a oportunidade de educar a sua filha.”
Segundo Ana Olmos, a mãe deixou a criança presa no princípio do desejo, de se divertir, e se negou a introduzi-la no princípio da realidade, de que as cadeiras estão ali para as pessoas sentarem, não são brinquedos. Para ela, muitos pais têm dificuldade de se contrapor à criança, de frustrá-la, por culpa de deixá-la por muito tempo para trabalhar. Acreditam que o pouco tempo com a criança deve ser reservado para situações de prazer.
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